Ação judicial ou denúncia podem barrar construção que não segue recomendações estipuladas pela administração local
Certo dia você acorda, abre a janela e se depara com a movimentação de pedreiros no terreno ao lado. Sim! É o início de uma obra.
O fato é que, seja essa obra uma simples reforma ou mesmo a construção de um arranha-céu, ela deve, impreterivelmente, seguir as regulamentações necessárias, a fim de não impactar as propriedades vizinhas.
E esse impacto pode resultar em situações que vão desde pequenos desentendimentos com proprietários do terreno ao lado, até disputas judiciais. Afinal, obras irregulares – ou mesmo as tecnicamente regulares, se mal executadas – podem causar prejuízos ao terreno vizinho, como infiltrações, abalo na estrutura e até desabamento.
Como identificar uma obra irregular
Para saber se a obra está irregular ou não, primeiramente é necessário avistar se há placa de identificação no local.
Em caso positivo, apesar de haver determinações que possam variar de acordo com a região, a placa deve conter, ao menos, as seguintes informações:
- Nome do profissional responsável, qualificação, número de registro do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) ou CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo),
- Número da ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) do engenheiro responsável ou RRT (Registro de Responsabilidade Técnica) do arquiteto responsável
- Número do alvará de liberação da obra
- E, se houver, o nome da empresa que executa.
- Dados para contato
O que fazer ao notar o início de uma obra no terreno vizinho
Sempre que observar uma obra sendo realizada em seu perímetro é necessário se informar sobre o que será feito, assim como sua regularidade para, dessa maneira, decidir o que fazer.
Caso perceba que a construção poderá interferir em algo, ou colocar pessoas em risco, deverá formalizar um documento ao vizinho, por carta registrada, solicitando:
- Apresentação da placa de obra (se não estiver colocada)
- Alvará de obra
- Projeto de arquitetura
- Projeto executivo
- Memorial descritivo
- Seguro da obra (se houver)
- ART/RRT dos profissionais responsáveis técnicos
Lembrando que o síndico ou morador vizinho à obra poderá, paralelamente, consultar o Departamento de Obras ou Secretaria da Habitação, na prefeitura regional, formalmente, a respeito da legalidade da construção.
Responsabilidade do síndico, e quando agir
É válido agir assim que a irregularidade da obra vizinha for identificada.
Porém, caso você, síndico ou morador do condomínio, não tenha percebido a situação e, de repente, note problemas (como rachaduras ou afundamento de piso, por exemplo), já passou da hora de agir!
Afinal, de acordo com o Código Civil, no caso de o gestor ser omisso ou agir com negligência durante sua gestão, ele pode, sim, ser responsabilizado em relação à obra vizinha irregular.
“Uma vez alertado acerca da possibilidade de ocorrência de algum acidente, tendo-se por base fatos concretos (irregularidade da obra, ausência de instrumentos de proteção, como telas, rachaduras, ou outros problemas), o síndico tem a obrigação de agir, uma vez que é ele quem representa a massa condominial. Caso se verifique omissão em sua conduta, pode ser responsabilizado por eventuais acidentes que ocorram”, detalha o advogado Zulmar Koerich Junior, da Manzi & Koerich Advogados Associados.
O síndico do condomínio em questão deve acompanhar todo o processo e passar todas as informações aos moradores.
“Se não tomar medida justa e adequada, poderá ser chamado a responder. Pois afinal, o que é um sindico se não um cuidador dos direitos da propriedade daquelas pessoas e coisas à qual ele se voluntariou?”, evidencia Abdon Gabriel de Souza Filho, diretor da administradora Prop Starter.
Como agir em caso de irregularidade?
O caminho ideal, como sempre alertamos aqui, é o síndico buscar resolver o problema com diálogo. Assim, o recomendado é solicitar amigavelmente a documentação e licenças mencionadas acima ao proprietário da obra.
De acordo com Koerich Junior, “o síndico deve colocar sob registro suas solicitações, pois conversas se perdem ao vento”. A dica é realizar todas as demandas por escrito e, em caso de dúvida, exigir a apresentação da licença de construção.
Quando negado, a saída, então, é solicitar o documento diretamente na prefeitura do município ou, se necessário, denunciar (veja abaixo como) ou entrar com uma ação judicial.
“Vale lembrar que, mesmo que haja licença para a obra, caso se verifique a ocorrência de danos na estrutura do condomínio, o gestor pode notificar a construção vizinha para que cesse a atividade e, em caso de recusa, interpor ação judicial solicitando medida liminar para suspensão da obra”, conclui Zulmar.
Por isso, seja a obra irregular ou não, notifique imediatamente todos os envolvidos (dono, engenheiro e/ou participantes do negócio), dando conta das ocorrências, e exigindo soluções.
Gabriel reforça a opinião do advogado:
“Caso o síndico não seja atendido, e existindo perigos ou prejuízos reais, entra-se com uma ação de ‘Nunciação de Obra Nova’, que poderá determinar o embargo imediato da construção, impedindo intempéries futuras”, salienta
Como entrar com uma ação contra a obra
Especialista na área de condomínios, o advogado Fábio Carvalho, da Ferreira e Carvalho Advocacia e Consultoria explica que, para entrar com ação é prudente se acautelar com a realização de perícia para saber se, efetivamente, existe nexo causal entre a obra vizinha e as eventuais avarias que estão sendo provocadas naquele condomínio que se diz prejudicado.
“Diante disso, a ação deve ser proposta na Justiça comum. Porém, antes, é interessante reunir o maior número de documentos possível, como relatórios fotográfico e topográfico, e perícia feita por engenheiros ou arquitetos (até, para saber a dimensão do dano e extensão do prejuízo)”, esclarece.
Se, por acaso, for uma intervenção de urgência, onde vá se buscar ressarcimento, é necessário ter a nota fiscal dos serviços contratados para embasar a ação. É importante juntar os orçamentos.
Fábio explica que a pessoa que se sentir prejudicada deve munir-se de todos os documentos citados e, na sequência, procurar um advogado, que deve ingressar a ação.
“Quando há pedido de urgência (que justifique tutela de urgência, ou antecipada), o mesmo será apreciado antes do julgamento do mérito, podendo dar agilidade ao processo”, afirma.
Quando e como denunciar uma obra irregular?
Há quem prefira evitar os custos e morosidade de uma ação judicial ou se indispor com o vizinho que vem prejudicando os moradores do entorno, optando por apenas denunciar anonimamente a obra à prefeitura local.
Essa possibilidade pode até surtir efeito mais rápido, porém, isso não é muito comum, uma vez que a eficiência varia conforme o órgão fiscalizador e local da denúncia.
“Na prática, a fiscalização, vistoria e análise por parte da prefeitura só são realizadas após sucessivos pedidos, ou quando um mesmo caso tem várias denúncias acumuladas”, pondera o advogado.
“Porém, nem sempre é prudente aguardar, pois estamos falando de questões que envolvem segurança e não apenas de estética”, finaliza o advogado, que defende a ação judicial como forma mais eficaz para a resolução dos impasses e, ainda assim, chama a atenção para a tentativa de conciliação.
Acidentes ou prejuízos por queda de objeto ou detritos da obra vizinha
Para obras grandes, as telas para proteção de fachadas (ou telas fachadeiras) são de uso obrigatório conforme a NR (Norma Regulamentadora) 18 da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).
Além de proporcionar segurança, o produto elimina riscos tanto dentro da própria obra, quanto protege áreas vizinhas contra, por exemplo, queda de rebocos e ferramentas, estendendo a utilização em andaimes, balancins e torres de elevadores.
Entretanto, todos sabem que riscos podem ser evitados, porém não extinguidos.
Nesta hora, você se pergunta: “Caso um objeto arremessado por essa obra atinja um morador do meu condomínio ou um dos carros da garagem, o que devo fazer?”
Simples! Deve-se registrar, de imediato, o fato ocorrido, reunindo-se provas pertinentes (fotografias, registro no livro de ocorrência subscrito por testemunhas) e, com isso, notificar o responsável pela obra vizinha, a fim de proceder a devida reparação e, consequentemente, tomar providencias que evitem fatos similares.
Profissionais da área de condomínios apontam que qualquer pessoa pode fazer a denúncia, mas, dependendo da gravidade do fato, cabe ao síndico entrar, de imediato, com ação de embargo da obra e exigência de reparação dos danos e perdas sofridas.
Poluição sonora
Cada município tem sua lei específica que trata sobre poluição sonora – onde há delimitação em decibéis.
Certamente, sempre haverá quem se incomode com o barulho causado pela realização de obras na vizinhança.
Nestes casos, pode-se entrar em contato com a prefeitura municipal, que, por meio de uma de suas secretarias (geralmente, a do Meio Ambiente), deverá avaliar in loco a situação, e, se for o caso, notificar o responsável pela construção.
Deve o síndico guardar todas as notificações/reclamações endereçadas ao ente público, bem como números de protocolos, para, em caso de demora ou falta de providências, processar o responsável pela obra e também o município, tendo em vista que já há entendimento jurisprudencial de possibilidade de responsabilizar ambos pelos danos materiais e morais suportados pelos vizinhos da obra.
Segundo Zulmar, em casos de perturbação, o bom senso não é parâmetro.
“Os limites impostos pela legislação são objetivos. Se o barulho estiver dentro do permitido para a região (número que muda conforme a zona de ocupação), se a obra estiver dentro dos regulamentos postos pela Lei de Zoneamento, está regular e deve ser tolerada pelos demais”, aponta ele.
Vale lembrar que, segundo especialistas, a Lei de Zoneamento é de competência dos municípios da federação onde cada um deles, após a realização de audiências públicas, juntada de pareceres técnicos e estudo logístico, estabelecem regras para o desenvolvimento ordenado da cidade.
Descarte de entulhos
E, não menos importante, outra obrigação de qualquer obra é seguir a cartilha do descarte de entulho, conforme recomendação da prefeitura local. Obras menores podem realizar o chamado bota-fora (de entulho) por meio de caçambas – que darão destino certo aos detritos.
“No caso de grandes empreendimentos, que por sua vez se encarregam de dar fim ao entulho transportando-o com caminhões próprios, é necessário realizar o pedido de autorização da prefeitura (ou subprefeitura) local, que orientará o destino correto”, explica o engenheiro civil John Henry Romero Sanson.
De acordo com ele, mesmo ao contratar caçambas, é recomendável sondar a procedência da empresa na administração regional.
Fonte: SíndicoNet