Projetos imobiliários que alinham planejamento e tecnologia levam inteligência para os prédios e qualidade de vida para os moradores
Quem nunca sonhou em morar na casa, ou melhor, na cidade do desenho animado “Jetsons”? Criada na década de 1960, a série introduziu no imaginário de muitas pessoas o que seria o futuro da humanidade, ao contar a história de uma família que vivia no século 21 e era rodeada por inovações tecnológicas como: carros voadores, cidades suspensas, trabalho automatizado, comunicação por vídeo, e tudo mais que poderíamos imaginar do futuro.
Mas o que parecia tão distante já pode ser vivenciado nas chamadas ‘cidades inteligentes’. Para José Graiche Júnior, presidente da Associação das Administradoras de Bens e Condomínios de São Paulo (Aabic), a novidade nada mais é que um modelo de urbanização e gestão pública que utiliza os avanços da tecnologia para otimizar a estrutura e a integração dos serviços, bem como diminuir problemas comuns em diferentes áreas – energia, materiais, trânsito, mobilidade, segurança, entre outras. Sendo que, para o sucesso do sistema, é fundamental que os agentes de desenvolvimento (governo municipal e estadual) entendam que esse conceito não está atrelado apenas à tecnologia, uma vez que o ato de planejar já é um fator de inteligência.
A incorporação de soluções inteligentes nos espaços urbanos migra, inevitavelmente, para os edifícios através de novos conceitos de moradia, já que as inovações atuais não se definem pelo uso de recursos de forma isolada, mas pela convergência e sinergia entre eles. Além da conexão entre moradores, segundo o presidente da Aabic, o desenho atual dos empreendimentos está cada vez mais eficiente. “Essa é uma linha pautada pela sustentabilidade e economia de recursos, onde o combo controle, informação, transparência e comunicação entre todos os envolvidos nas rotinas dos prédios é o diferencial”, avalia Júnior. Não existe uma fórmula ou um caminho certo a ser seguido que garanta o sucesso e a transformação do condomínio em inteligente. Mas, é preciso uma análise personalizada das necessidades de cada um, a fim de se estabelecer metas e políticas internas mais eficazes, que sejam capazes de facilitar o uso eficiente de recursos, a conectividade e dar maior segurança aos moradores.
Tendência no mercado internacional, investir em uma infraestrutura com serviços compartilhados nos edifícios como lavanderias, lazer e até coworking também está se tornando realidade por aqui. “A ideia do compartilhamento está cada vez mais inserida no segmento imobiliário e com a dificuldade de mobilidade, ter o máximo de serviços ‘dentro de casa’ é o desejo da maioria das pessoas. Além de oferecer infraestrutura completa, com academia, espaços de confraternização coletivos, e até o compartilhamento de carro e de bicicleta, os empreendedores agora precisam levar em conta a rede de fornecedores em torno do prédio, que ofereçam atendimento em domicílio. Em São Paulo, cerca de 90% dos lançamentos já seguem essa linha”, diz Graiche.
Expectativas de inovação
No mercado imobiliário, tanto os prédios já existentes quanto aqueles prestes a iniciarem suas obras estão pensando na tecnologia e como ela pode interferir no cotidiano dos moradores. De acordo com a especialista em inovação e tecnologia, Evy Marques, que também atua como conselheira do Instituto Smart City Business America, as expectativas são altas e reais com o avanço da chamada Internet das Coisas (IoT), sendo que tudo girará em torno de sensores inteligentes e softwares capazes de coletar, armazenar e tratar dados através da internet. Entre as inovações para condomínios estão: Sistemas de reconhecimento de moradores e funcionários que facilitarão a atuação dos porteiros e gerarão maior segurança; uso de dados digitais para portas internas e externas; coleta e reaproveitamento mais eficiente do lixo; sistema de eficiência energética e sistemas mais eficazes de irrigação e limpeza de áreas externas.
Para Odirley da Rocha, especialista em gestão de segurança empresarial da Kiper Tecnologia, cada vez mais o futuro condominial está interligado à análise de dados e à inteligência artificial. “A tecnologia e a IoT vieram resolver os problemas dos síndicos e dos condôminos, até mesmo antes deles saberem que teriam um. Vai ser muito comum a empresa do software identificar irregularidades e já partir para ação, como a correção do sistema de portões e elevadores, por exemplo. Com isso, vamos eliminar tempo, transtorno, mão de obra, insatisfação e dar mais segurança aos serviços prestados”, explica.
Já o engenheiro Thomaz Assumpção, CEO da Urban Systems, aposta nos empreendimentos de uso misto como uma referência no conceito de inovação propriamente dito, sendo itens como sustentabilidade e segurança as principais tendências e necessidades de mercado. “Depois de um boom de novos equipamentos e infraestrutura em empreendimentos, tanto consumidores, quanto incorporadoras e construtoras estão em busca de equipamentos que gerem retorno ao investimento. Dessa forma, itens que reduzem o consumo de energia, que geram energia, que reduzem o gasto de água por meio de reaproveitamento, além da questão de segurança, com acesso individual, biometria, serão as tecnologias mais necessárias nos próximos anos”, avalia.
Dificuldades nada inteligentes
As estruturas tais como conhecemos hoje não serão capazes de suportar o constante crescimento dos grandes centros urbanos. Por isso, o desenvolvimento de novos serviços que atendam à população em setores como transporte, saúde, coleta de lixo e energia, entre outros, já é uma necessidade. A falta de planejamento e a dificuldade no acesso a recursos são os principais desafios enfrentados pela inovação. Segundo Assumpção, só com muito estudo e preparação é possível desenvolver novos projetos que contemplem todos os eixos para o desenvolvimento, com a racionalização de recursos. “Com o planejamento evitamos que se quebre a mesma calçada duas vezes, para fazer projetos que poderiam ter sido estruturados ao mesmo tempo, como de saneamento e telecomunicação. Ou ainda, que seja possível pensar na melhor solução energética e de iluminação, prevendo que a mesma estrutura possa ser utilizada para usos acessórios, como a instalação de câmeras de segurança. Daí a necessidade de integrar as pessoas envolvidas e mapear as principais necessidades, para que se possa criar um plano de transformação de forma sustentável e que saia do papel, mesmo que seja com ações de curto, médio e longo prazo”, comenta.
A questão de saneamento básico é outro ponto preocupante no Brasil. Em países desenvolvidos o acesso à água, ao saneamento e à coleta de resíduos sólidos está menos presente na discussão de cidades inteligentes, devido principalmente à universalização do acesso a esse tipo de serviço. Já por aqui, a realidade é outra. “Temos capitais onde esse tipo de serviço não abrange nem mesmo 80% dos domicílios urbanos, quando o ideal seria 100%. Logo, a infraestrutura básica com energia elétrica, acesso à água, saneamento, coleta de resíduos sólidos, entre outros, não pode ser desconsiderada quando falamos de cidade, bairro ou condomínios inteligentes”, conclui o engenheiro.
Tecnologia já é realidade nos edifícios
Plataformas de gestão: Através de aplicativos e sistemas online de administração predial já é possível fazer o monitoramento das manutenções de equipamentos, envio de convocações para assembleias, reserva do salão de festas, ativar e desativar travas de portas de acesso a áreas comuns, gerenciar impasses entre condôminos e até dispor de documentos como planta baixa do prédio, relatórios financeiros da administração e atas das reuniões.
Portaria virtual ou remota: Traz mais segurança para os condomínios, ao mesmo tempo em que reduz em até 50% os custos de uma portaria tradicional. A ideia substitui porteiros presenciais por agentes que, de maneira remota, abrem e fecham portões e garagens – além, é claro, de ficar de olho 24h no condomínio por meio de câmeras e internet.
Chave biométrica: Liberação de acesso ao condomínio por meio de alguma característica do corpo humano. A forma mais comum é a leitura da impressão digital. No entanto, é possível utilizar a biometria também de outras formas, como o reconhecimento facial ou da voz, leitura da retina e da íris.
Telemetria de gás, água ou energia elétrica: Com módulos de medição, é possível fazer essa leitura online em tempo real. Além disso, toda a informação pode ser enviada para a “nuvem” e compõe o que chamamos de Internet das Coisas (IoT). Com essa facilidade, pode-se saber o consumo de cada ponto a todo instante, e inclusive cobrar o uso do gás do espaço gourmet de quem alugou.
Armários inteligentes: Com um sistema inteligente de recebimento, o carteiro armazenará a mercadoria em um armário com fechadura eletrônica, que ao identificar o pacote envia uma mensagem ao morador, notificando da entrega. Esse compartimento só é aberto pelo código QR Code ou senha do morador.
Sensores: Sistemas monitoram o funcionamento de equipamentos e infraestrutura do condomínio. Na área de iluminação, módulos podem executar funções complexas como a supervisão de uma falha elétrica, seguida de um alerta por mensagem para o celular do zelador.
Sistemas Hidráulicos: Evita o desabastecimento acompanhando os níveis dos reservatórios, sensoreando as bombas. O sistema também pode tomar a decisão de enviar uma mensagem ao zelador, avisando que todos os níveis estão em estado crítico de água, após o sensor identificar a interrupção do abastecimento de água pela concessionária. Além disso, a automação pode gerar grande economia com o reuso de águas cinzas ou a coleta da chuva.
Proteção de incêndio: Sistemas que detectam e combatem fogo e fumaça. Em caso de sinistro no prédio, as portas de acesso das rotas de fuga podem ser liberadas automaticamente. E se for detectado um vazamento de gás, é possível ligar um exaustor para efetivamente tomar a decisão de limpeza do ambiente. A automação pode ainda evitar que se acenda a luz daquele ambiente, impedindo uma possível explosão.
Fontes: Thais Nahas, consultora de Cidades Inteligentes da ACATE e Odirley Felício da Rocha, especialista em gestão de segurança empresarial.
Panorama Cidades Inteligentes
• Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro são exemplos de cidades brasileiras que já estão avançando nesse setor, principalmente na área de mobilidade urbana. Na capital paranaense, 70% dos resíduos produzidos pelos habitantes é reciclado, e a prefeitura da cidade criou programas de incentivo como o Câmbio Verde, onde a população pode trocar seu lixo reciclável por frutas e verduras frescas. Além disso, o sistema de transporte urbano é rápido e eficiente, com adesão de 70% da população.
• No cenário internacional, Dubai é destaque com trens autônomos, táxis voadores e painéis solares. Em Barcelona, na Espanha, também já estão implementando medidas inteligentes, principalmente no que tange à mobilidade urbana com incentivo no uso de carros elétricos. Tóquio possui um eficiente sistema de transporte e espaços urbanos planejados, enquanto Londres preocupa-se em ser uma cidade cada vez mais sustentável utilizando medidas de baixo carbono nas áreas de transporte, energia e reciclagem.
• Em Santa Catarina, a cidade-bairro Pedra Branca é um bom exemplo onde mais que tecnologia, o planejamento urbano e a sustentabilidade fazem toda a diferença. O projeto tem como prioridade oferecer um espaço onde as pessoas possam morar, trabalhar e se divertir, tudo em locais próximos, priorizando a qualidade de vida. A ideia é que todos os deslocamentos possam ser feitos de bicicleta ou a pé.
• Em Florianópolis, o Laboratório de Inovação Urbana promove ações de inovações com foco em mobilidade, segurança, sustentabilidade, energia limpa e iluminação. O projeto é resultado da parceria entre a Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), Associação Comercial e Industrial de Florianópolis (ACIF) e a Prefeitura Municipal de Florianópolis. E, de acordo com Thais Nahas, consultora de Cidades Inteligentes da ACATE, ele permite olhar os problemas da cidade como oportunidades, além de abrir caminho para gestão municipal conversar com a iniciativa privada para a cocriação de soluções tecnológicas.
A primeira iniciativa do grupo foi realizada na Rua Vidal Ramos, com a instalação de um sistema de videomonitoramento compartilhado entre os lojistas e moradores. De acordo com Roberto Paiva, diretor da Khronos, responsável pelas câmeras, o futuro está atrelado à inovação. “Acreditamos que a tecnologia vai estar presente na rotina das cidades, facilitando e oferecendo segurança à população. Ao investir em ações como essa, buscamos estimular o uso de sistemas preventivos, que de fato deem uma vida melhor e devolvam a sensação de segurança”, diz.
Fonte: CondomínioSC