Hipótese não é comum, mas quando acontece causa muita polêmica. Afinal é permitido? Advogado explica que legislação não é clara nesse sentido, mas orienta síndicos
Por Antonio Artêncio Filho*
A hipótese não é comum, mas quando acontece causa muita polêmica, por isso merece adequado entendimento para que o condomínio e o síndico possam atuar sem causar problemas ou ter a questão judicializada.
É uma situação constrangedora para síndico e o condomínio resolverem.
Imaginemos que o proprietário de uma unidade, por contrato particular de locação, alugue seu imóvel e continue a utilizar as áreas comuns do condomínio para lazer (piscina, salão de festas, entre outros).
E o faz escorado no entendimento de que, sendo proprietário e locador, não transmitiu ao inquilino ou locatário o seu direito de propriedade, razão que entende suficiente para continuar a frequentar as áreas comuns.
Em contrapartida, o condomínio, legalmente representado pelo síndico, alega que houve transmissão da posse, razão limitativa do direito de propriedade, pois esta transmissão da posse e do uso do imóvel locado confere agora ao locatário, com exclusividade, o direito de uso das áreas comuns.
Encurtando, o proprietário que aluga sua unidade pretende continuar a usufruir das áreas comuns sem que resida no condomínio, fazendo surgir a contrariedade já que o síndico afirma que ao locatário ou inquilino pertence o direito de uso das áreas comuns.
Afinal, quem pode e o que pode ou qual direito prevalece?
Está estabelecida a polêmica que, dada a situação, é de difícil resolução, porque sobram opiniões carregadas de achismo e paixão.
Aqui, temos que ter isenção suficiente para ‘dar a César o que é de César’, pelo que se recomenda atuação paciente e diplomática para resolver a questão.
Numa simplificação, devemos estampar os direitos e deveres.
Inicialmente, que fique registrado que condômino é somente aquele que figura no Cartório de Registro de Imóveis na condição de proprietário do bem imóvel; condômino tem relação jurídica direta com o condomínio.
Inquilino ou locatário não é condômino e será inquilino ou locatário enquanto perdurar o contrato de locação; não tem relação jurídica direta com o condomínio.
Assim, pode ser verificado facilmente que na hipótese de não ser pago pelo locatário ou inquilino a taxa condominial mensal, a ação executiva judicial será distribuída na Comarca contra o condômino, e não contra o locatário ou inquilino.
É verdade que o proprietário e condômino tem ação regressiva contra o locatário ou inquilino, mas esta última figura não pode aparecer como parte passiva (requerida) na ação judicial que objetiva executar o débito condominial. Menciono o artigo 1.339 do Código Civil Brasileiro:
“Os direitos de cada condômino às partes comuns são inseparáveis de sua propriedade exclusiva; são também inseparáveis das frações ideais correspondentes às unidades imobiliárias, com as suas partes acessórias.”
O artigo atesta apenas que a natureza jurídica do condomínio mistura as propriedades individual e comum que formam um conjunto indissolúvel, não cabendo interpretações extensivas e relativas à posse do imóvel e com o direito do uso das partes comuns ou entender que a locação transfere ao locatário o uso e gozo do imóvel, juntamente com o uso das áreas comuns. Presente também o artigo 1.228, CC Brasileiro:
“Artigo 1.228 – O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”
Aqui, o CCB estabeleceu o conceito de propriedade como relação jurídica complexa, com direitos e deveres e, prioritariamente objetivando atender à função social, apontando as faculdades do proprietário de usar, gozar e dispor do bem, observando-se ainda os deveres, ônus e obrigações.
Portanto, o texto legal relaciona três faculdades (uso, gozo e de dispor do bem): o uso (‘ius utendi’) traduz-se pela faculdade de servir-se da coisa, de servir ao proprietário, que pode explorá-la em proveito próprio, pela utilização mediata (aqui no sentido de remota ou reflexa), por meio ou em proveito de terceiros; quanto ao gozo (‘ius fruendi’), envolve a percepção de frutos, permitindo ao proprietário extrair da coisa todos os rendimentos possíveis; e por fim, o de dispor (‘ius abutendi’) que é o poder de alienação.
Também tem lugar o artigo 1.275 do mesmo diploma legal:
“Artigo 1.275 – Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade:
Inciso I – por alienação;
Inciso II – pela renúncia;
Inciso III – por abandono;
Inciso IV – por perecimento da coisa;
Inciso V – por desapropriação.
Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.”
Como verificamos, nenhum dispositivo legal transcrito trata do impedimento do condômino usar as áreas comuns de sua propriedade condominial, mesmo estando o bem imóvel alugado a terceiros, situação que pode e deve figurar nos contratos de locação.
Mas, mesmo o contrato de locação, de âmbito particular, não tem força para estabelecer o que o ordenamento jurídico brasileiro não disciplinou.
E assim acontece porque a convenção particular como é a locação, não é mais forte que lei e, portanto, para ter validade e eficácia, deve a lei expressar a proibição.
Uma saída diplomática seria a inclusão de uma cláusula no regimento interno do condomínio, prevendo a proibição de uso de áreas comuns pelo condômino enquanto o seu imóvel estiver locado para terceiro.
Mas, ‘madeira que bate em Chico também bate em Francisco’, ou seja, o contrário também é verdadeiro, já que a norma condominial pode autorizar o uso da área comum ao proprietário.
Como não há previsão legal expressa sobre o tema, o assunto costuma se agravar.
E isso porque a sociedade cria os usos e os costumes, no mais das vezes sem existir regra nos estatutos condominiais que disciplinem a questão.
Muitos representantes legais impedem o uso do condômino que alugou seu imóvel, ao arrepio de qualquer regramento estatutário condominial e da legislação em vigor, tirando regra da própria cartola.
Redunda em confusão judicial a criação de regra da própria cabeça.
Se a convenção ou o regulamento interno do condomínio são omissas, o síndico deve apelar ao bom senso e esclarecer ao proprietário da unidade que a utilização somente compete àqueles que a habitam. Sem proibir que a use.
Sujeito a ouvir do condômino locador que a locação foi pactuada com cláusula permissiva quanto à utilização do proprietário das áreas comuns do condomínio.
O fato é que o locador deve sempre comunicar a locação de sua unidade ao condomínio, para impedir o uso excessivo das áreas, evitando-se gastos prematuros com manutenção, reparos e trocas de equipamentos e, principalmente, por segurança.
A lei confere o direito de uso da propriedade condominial ao respectivo proprietário e condômino e/ou locatário.
Os condôminos, por serem proprietários da unidade, possuem, sim, o direito de usufruir das dependências do condomínio, tanto as áreas comuns do prédio, como as áreas privativas, tal qual um direito inerente à propriedade condominial previsto em lei (artigo 1336, inciso II, do Código Civil).
Bem como poderá o condômino proprietário dispor de sua unidade, de forma livre, a quem interessar, desde que observadas as previsões da convenção de condomínio, conforme artigo 1336, inciso I, do Código Civil.
(*) Antonio Artêncio Filho é advogado; conta com a experiência de 30 anos de exercício nas áreas contenciosas e consultivas do Direito; cursou pós-graduação em Processo Civil e Direito Civil (com ênfase em Contratos); possui a Certificação de Especialista em Administração de Condomínios pela Universidade Secovi/SP; é Síndico Profissional com Diploma de Reconhecimento Público pela Câmara Municipal de São Paulo; é membro efetivo da Coordenadoria de Direito Condominial da OAB-SP (2018, 2019 e 2020).