Elaborados para ajudar a administração, os instrumentos que definem as normas de convivência não devem ficar parados no tempo. O texto precisa estar de acordo com a legislação atual e a realidade de cada um.
Leis mudam, entendimentos jurídicos são aperfeiçoados, novas tecnologias surgem a todo instante, questões comportamentais são alteradas em função da modernidade, espaços novos são disponibilizados nos edifícios e exigem um regramento específico. Com tanta novidade, o desafio aqui é manter as leis condominiais sempre atualizadas para evitar problemas e facilitar o dia a dia do síndico. Mas, por exigir a participação ativa da maior parte dos moradores, muitas vezes a convenção e o regimento interno se tornam defasados e não compreendem as reais necessidades dos moradores.
De acordo Dennis Martins, advogado e diretor em SC do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, não há uma obrigatoriedade de atualização, seja da convenção ou do regimento, mas sim uma faculdade conferida aos condôminos. Entretanto, ele destaca a necessidade do exercício da observação, quanto à importância da renovação. “Antes de qualquer coisa, entendo que seja importante dar um passo atrás e questionar se, efetivamente, é necessária uma atualização ou se não é o caso de apenas se aplicar os instrumentos já existentes. A convenção e o regimento são normas e, como tais, a sua aplicação prescinde de um exercício de interpretação que comumente já supre a necessidade. No entanto, verificando-se que a situação realmente demanda a alteração de quaisquer dos instrumentos a dica é a de se elaborar cláusulas com um conteúdo objetivo e direto”, avalia.
E, um bom indicador de que está chegando o momento de repensar as regras é quando o síndico começa a ouvir diferentes reclamações que ainda não constam nos documentos. Mas é preciso estar preparado, já que o processo de mudança pode ser polêmico e demorado, exigindo muita paciência por parte dos gestores. Como é o caso do condomínio Portal do Sol, em Florianópolis, administrado pelo síndico Rogério Freitas, que após identificar a necessidade de estabelecer novos parâmetros para manter uma convivência sadia, convocou assembleia e já há algum tempo realizou as alterações. Só que, mesmo com o texto pronto, faz mais de um ano que está realizando a coleta das assinaturas dos moradores, necessárias para validar a convenção.
“Os procedimentos apesar de semelhantes exigem atenções distintas. Com a convenção uma comissão manifestou os anseios da coletividade e os apresentou a um advogado que redigiu o texto. O mesmo foi levado a uma assembleia de maioria simples, convocada para esse fim, onde foi aprovado. E com a proposta em mãos ainda estamos no processo de coleta dos 2/3 de assinaturas obrigatórios para validar a proposta como convenção propriamente dita. Com o regimento interno, o conselho se reuniu e propôs alterações ao texto original, que foi apresentado e lapidado em uma assembleia, também convocada só para isso, e que o aprovou por votação de maioria simples”, explica Rogério.
Já nos condomínios administrados pelo síndico profissional Ronaldo Alves Junior, o processo de alteração nas regras foi tranquilo e os proprietários já aprovaram os documentos. Como dica para os que ainda vão passar pelo processo, na tentativa de que o objetivo seja alcançado com o mínimo de desgaste, ele destaca a importância de pensar na logística. “O síndico ou a comissão devem encontrar um formato, com prazos definidos, para a formulação das propostas de mudanças, passando pela apresentação e votação na assembleia até a colheita das assinaturas. Neste sentido, uma plataforma on-line que permita a discussão antecipada de pontos divergentes pode tornar a assembleia mais objetiva, assim como verificar previamente no cartório de registro de imóveis para saber quem é o proprietárioda unidade evita transtornos indesejados no momento do registro”, conclui.
Ainda de acordo com o gestor, as mudanças devem ir principalmente ao encontro das necessidades atuais, não só pelas atualizações do Código Civil, mas pela necessidade frente à evolução da sociedade. “As normas alteradas devem ficar um retrato mais harmônico e fiel da realidade e dos anseios dos condôminos e por terem sido atualizados por profissionais com experiência na área e vivência na administração de condomínios”, comenta.
Influências do Código Civil
Mesmo após a sua atualização, o Código Civil, de forma proposital, trata do “Condomínio Edilício” de forma bastante genérica, deixando diversas lacunas – de forma expressa e por omissão – para que cada condomínio possa estabelecer normas mais adequadas a sua necessidade, uma vez que as realidades não são iguais em todo o país. Mas, segundo o advogado Alberto Luís Calgaro, especialista no assunto, mesmo com essa ‘liberdade’ dada pela lei, ela sempre será soberana em suas determinações, já que no direito brasileiro é observado um sistema de hierarquia, de modo que uma norma inferior não pode contrariar uma norma superior, sob pena de ser considerada inválida.
“Abordando apenas as normas relevantes para o direito condominial, podemos mencionar a seguinte hierarquia, da maior para a menor: Constituição Federal, Leis Federais, Código Civil, convenção e regimento interno. Assim, o regimento interno não pode contrariar o disposto na convenção, a convenção tem de estar alinhada com o Código Civil e o Código Civil não pode conflitar com as regras da Constituição Federal. Um bom exemplo disso foi a introdução do limite de até 2% para a multa pelo inadimplemento da taxa condominial, prevista no Código Civil (2002), e que na Lei 4.591 e na maioria das convenções existentes era de 20%”, diz.
Por que atualizar as regras?
Não há a necessidade de atualização da convenção a cada vez que surge uma mudança legislativa, já que ela permanece válida, ainda que algum dispositivo tenha perdido sua validade em virtude da nova lei. No entanto, após uma série de mudanças relevantes na legislação, ou até mesmo em virtude do passar do tempo, torna-se recomendável realizar a atualização por dois motivos principais:
- Fazer com que a convenção e o regimento interno sejam instrumentos claros e suas normas possam ser facilmente compreendidas por todos que realizarem sua leitura, independentemente de conhecimento jurídico
- Introduzir nas normas condominiais instrumentos modernos para facilitar a administração e o dia a dia do condomínio. Uma lei fácil de compreender é uma lei fácil de cumprir.
Passo a passo para alterar
- Antes de tudo, é importante verificar junto ao Cartório de Registro de Imóveis competente quais são as exigências que se precisa atender para o registro de uma alteração na convenção. Isso representa a antecipação de uma das etapas, mas certamente terá a função de prevenir muitas dores de cabeça
- Após, é interessante constituir uma comissão interna para que se possa definir o que se pretende alterar e, então, redigir as alterações
- Levar as alterações sugeridas à assembleia para deliberação, com ou sem a assessoria profissional, a depender da necessidade do condomínio. Aqui vale lembrar que o quórum para a alteração da convenção é o de 2/3 dos votos dos condôminos e não apenas dos presentes em assembleia. Já quanto ao regimento, a redação atual do Código Civil não especifica o quórum para a sua alteração. Dessa forma, o quórum que passa a valer é o estabelecido na convenção para esse fim e, na sua ausência, o de maioria dos presentes em assembleia
- Realizada a votação, aprovadas as cláusulas, o documento deve ser levado ao Registro de Imóveis, observando as orientações do início do processo
- Para os condomínios que não conseguem obter os quóruns necessários caberá, antes de qualquer coisa, identificar o real motivo da evasão. A situação pode representar até mesmo um desinteresse dos condôminos em promoverem a alteração dos instrumentos por concordarem com os existentes e entenderem que são suficientes e adequados.
Assessoria profissional
- A legislação não exige que os procedimentos de alteração da convenção ou do regimento tenham a assessoria de um profissional. Porém, ter alguma assessoria é muito recomendável.
- Dentre os papéis do profissional, os principais seriam o bom planejamento da atividade evitando o retrabalho ou até mesmo a não efetividade do trabalho desenvolvido. Além disso, ele contribuirá para a boa redação dos dispositivos de maneira a não lhes dificultar ou até mesmo inviabilizar a futura aplicação.
Temas polêmicos
- Para garantir a harmonia entre os moradores, é importante que as regras referentes a assuntos que normalmente são polêmicos estejam presentes de forma clara no regimento interno. Mas, nada impede, no entanto, que as questões mais relevantes, como por exemplo, escritório de trabalho em unidade residencial e locação por sites como AIRBNB (por dizerem respeito ao “fim a que se destina a unidade” – art. 1.332, §5º, III, Código Civil), também constem da convenção.
Itens que não podem faltar no documento
- Tudo aquilo que não esteja regulamentado, nem seja proibido pelo Código Civil, pode ser objeto de disposição na convenção. O que é bom para um condomínio, não necessariamente será bom para outro, portanto, há que se questionar: “Qual a necessidade do nosso condomínio?”
- A maioria das convenções existentes é extensa, mas se limita a repetir aqueles dispositivos que já estão previstos no Código Civil, deixando de fora outras questões que poderiam ser relevantes ao condomínio. Um bom exemplo é o rateio da taxa condominial, que de acordo com a legislação será feita pela fração ideal, salvo disposição em contrário na convenção (art. 1.336, I). Ou seja, permite que um condomínio que possua uma realidade diferenciada possa estabelecer uma regra de rateio mais adequada
- Outra situação que segue o mesmo entendimento do item anterior é em relação à venda, locação e cessão de vagas privativas de garagem a terceiros estranhos ao condomínio, que são proibidas pelo Código Civil (art. 1.331, §1º), salvo autorização expressa na convenção de condomínio.
Itens de prevenção
- A rigor, não é necessário constar na convenção a exclusão de qualquer responsabilidade para que ela ocorra. Porém, é recomendável que seja colocada de forma expressa. Assim a norma fica mais clara aos condôminos e, também, para o Judiciário em caso de julgamento de uma ação.
- Atualmente, prevalece na Justiça o entendimento de que o condomínio só é responsável por danos, como furtos de veículos, em áreas comuns, se a convenção ou o regimento expressamente admitirem essa responsabilidade. Ou ainda se o condomínio, através de atos como a contratação de empresa de vigilância (não mera portaria), câmeras de vigilância (diferentes da simples gravação de imagens), tenha assumido tacitamente o dever de guarda desses bens em área comum.
Fonte: CondomínioSC